Histórias de consultório
Atualizado: há 6 dias

Ao longo desses mais de dez anos de atuação clínica, inúmeras histórias passam pelo consultório. Alguns sofrimentos enraizados em transtornos mentais, outros vinculados à incapacidade de expressar de forma adequada as emoções e outros tantos pelo “simples” fato de as pessoas acharem que precisam esconder aquilo que são efetivamente.
Como neuropsicóloga, eventualmente me deparo com o medo das pessoas sobre conhecer suas “imperfeições” neurológicas. Certa vez, recebi para um processo de diagnóstico diferencial de demência uma senhora por volta dos seus quase setenta anos, que aqui chamaremos de Dona X, e sua filha, nomeada de Z: obstinada, cuidadosa e preocupada com sua mãe.
Ao longo do processo, era evidente que Dona X apresentava um déficit de memória considerável, com um grau de comprometimento já bastante avançado. Mas, curiosamente, as falas sobre o afeto que a filha Z despendia para ela eram sempre presentes.
No dia da entrevista devolutiva, ao explicar para ambas os achados da avaliação, a filha chorava, por compreender a situação real, mas Dona X, mesmo sem entender muito bem a situação, estava preocupada apenas em abraçar a filha, acalentá-la e repetir quase continuadamente “Eu estou aqui, está tudo bem!”, “Eu estou aqui, vai ficar tudo bem!”.
Essa cena me chama atenção pela magnitude com que o afeto se interpõe na nossa vida, mesmo diante de um comprometimento cognitivo grave. O que pode atrapalhar o amor, o cuidado, quando ele é cultivado em solo fértil?
Dona X podia não lembrar da maior parte das histórias de sua vida, mas ela lembrava, no agora, quem era sua referência de amor e cuidado. E você, como tem vivido suas relações de amor? Está presente para elas? Pensa nisso!
Juliana Barros
Psicóloga
CRP 02/15693